😱 Investindo em criptomoedas: 10 tópicos para entender 2017
com Bruno Baraccat.
2017 foi simbólico por tirar o mercado das “sombras”, uma vez que a baixa correlação com outros ativos, a liquidez crescente das bolsas e a atenção da mídia mainstream tornaram esse universo grande demais para ser ignorado. Bitcoin foi pauta do Jornal Nacional, capa da SuperInteressante e assunto de família no Natal, fazendo com que muitos se questionassem: será esse o pico da bolha, ou somente o nascimento de uma nova classe de ativos — bem distinta de ações, títulos, moedas e, na verdade, de todo investimento que já experimentamos?
2017 em 10 passos
1. O rally do ether
Janeiro de 2017: o ether se consolidava como segunda maior criptomoeda em capitalização de mercado, além de plataforma principal para “ofertas iniciais de moeda” (ICOs — Initial Coin Offerings). Estas, na verdade, já existiam em menor escala desde 2013, e remetiam mais a crowdfundings que a “apostas” financeiras. A necessidade de se adquirir ether para investir em tais ofertas seria responsável por puxar o preço da moeda durante boa parte do primeiro semestre, junto a uma série de eventos midiáticos em maio, fazendo-a saltar de menos de U$10 por unidade para quase U$400, em poucos meses.
2. A “Bolha” de James Dimon
A indústria financeira tradicional teimava em disseminar a ideia de uma bolha prestes a estourar. Do outro lado (o nosso), o argumento era simples: a última grande bolha mensurável no mercado de ações (que pode servir de parâmetro, apesar de todas as discrepâncias com criptoativos), no começo dos anos 2000, tinha “estourado” em torno dos U$6 trilhões de capitalização combinada. Perto disso, os quase U$1 trilhão de capitalização de mercado das criptomoedas seguem insignificantes, ainda mais levando-se em conta o ajuste pela inflação, e o fato de que o NASDAQ engloba apenas empresas dos EUA, enquanto criptoativos são globais.
3. “ICO Fever”
ICOs se provaram uma maneira prática, flexível e relativamente rápida (em comparação com um IPO, por exemplo) para novas tecnologias levantarem fundos. Por outro lado, inauguraram uma nova forma de pensar em capital de risco. Investimentos early stage, antes restritos a indivíduos ou fundos certificados, e domados por processos burocráticos, tornaram-se acessíveis a qualquer internauta com uma carteira de ether/bitcoin e um pouco de coragem. Equipes semi-desconhecidas levantaram milhões em dias, ou até mesmo segundos (pesquise sobre o ICO da BAT, ou da SingularityNET). Investidores semi-anônimos ganharam status de lendas ao acumularem retornos astronômicos por apostarem em projetos e segurarem seus tokens até que se valorizassem nos mercados secundários. Como era de se supor, a “festa” não perduraria sem ser abalada pelo establishment.
4. A SEC se levanta
A SEC (equivalente americana à CVM — Comissão de Valores Mobiliários — brasileira) se posicionou publicamente sobre tais ofertas de moeda, ainda não reguladas oficialmente, em julho de 2017. A partir daí, expandiu seu oversight e chegou a ordenar o fechamento de alguns ICOs, o que sinalizou negativamente o mercado e interrompeu o rally do ETH. No espaço aberto por incertezas de cunho regulatório, emergiram plataformas de contratos autônomos (como a Ethereum) alternativas, algumas inclusive se propondo a suportar ICOs no mesmo modelo já praticado. Uma das que despontou foi a NEO, rotulada por muitos como a “Ethereum da China”. Logo foi a vez de Beijing fazer sua investida contra criptomoedas, proibindo ICOs e banindo o trade de criptoativos. Como ficaria claro mais adiante, quanto mais governos/bancos centrais tentaram coibir criptomoedas em seus países, mais essas iniciativas geraram o efeito contrário…
5. Um novo bitcoin (na verdade, dois)
Um imbróglio pairava sobre o bitcoin havia anos, e a comunidade, dividida em duas facções principais, custou a resolvê- lo. De um lado, os que acreditam na soberania do bitcoin como meio de pagamento, e que clamam por taxas de transação baixas e execuções velozes — do tipo que permitem a um usuário comum comprar um cafezinho na padaria e pagar com BTC. Do outro, aqueles que discordam do caráter utilitário proposto por Satoshi, e enxergam o bitcoin como uma reserva de valor, como um equivalente ao ouro, nativamente digital. Depois de tentativas frustradas de acordo entre as partes, um fork dividiu a rede em duas, BTC e BCH (Bitcoin Cash). Na primeira, manteve-se as configurações e o roadmap em curso, apostando em soluções de escalabilidade (permitir mais transações por segundo) que ainda estão por vir, e defendendo a descentralização da rede. Na segunda, aumentou-se o “tamanho do bloco”, uma medida que imediatamente acelera a rede, mas tende a centralizá-la. O embate dissecou o momentum político bipolarizado que vivia o bitcoin antes da chegada dos mercados futuros e de Wall St.: de um lado a comunidade de desenvolvedores, preocupada em manter a descentralização da rede não importa o fardo de usabilidade que isso gere; do outro, empreendedores norte americanos e donos de corretoras que necessitam de adoção em massa a custo de qualquer princípio moral, juntos aos mineradores chineses ávidos pela chance de controlarem mais ainda a “fabricação” de novas moedas (a visão aqui é parcial. Na verdade, a história é muito mais complexa. Esta thread é um bom ponto de partida pra se aprofundar).
6. WTF if Bitcoin Cash?
A criação do Bitcoin Cash chocou a comunidade por mostrar o quão rápido uma nova moeda pode atingir o top 3 de mercado, além de uma capitalização de bilhões de dólares. Algumas lições relevantes do fork:
- O bitcoin não vai falhar. Mas ninguém garante que você esteja holdando a versão dominante dele (de acordo com a história, daqui alguns anos).
- Qualquer indivíduo ou grupo pode forkar uma moeda e dropar unidades de uma nova, a todos os que possuíam a antiga. Bitcoin Gold, Bitcoin Diamond, Bitcoin Platinum e tantos outros foram experimentos subsequentes, mais ou menos “esquemeiros” (um deles segue no top 10 de capitalização de mercado — veja a ilustração abaixo).
- O mecanismo de governança nativo das blockchains é o fork. E o fork é, antes de tudo, resultado de uma quebra de consenso social, que se dá primariamente off-chain. Projetos que tentaram incorporar mecanismos de governança descentralizada e autoupgrade a nível de protocolo ainda não sucederam em escala. O mais famoso deles, a Tezos, uma blockchain arquitetada para se auto-conformar de acordo com a vontade dos token holders, foi pivô de um escândalo legal que expôs uma estrutura corporativa internacional cheia de meandros e sombra, ainda não resolvido, e cujos fundos seguem parcialmente bloqueados aos desenvolvedores.
- Algumas soluções de escalabilidade podem requerer forks para serem implementadas, no caso de partição comunitária. Em tais eventos, é crucial, do ponto de vista de investimento, analisar a política por trás do embate e a proposta de cada “bifurcação”.
7. Japão e Coreia do Sul
Depois de a China apertar o cerco contra ICOs, grande parte desse mercado se moveu de lá para Japão e Coreia do Sul. Em seguida, o governo de Beijing passou a legislar mais severamente conglomerados de mineradores, chegando a forçar a saída de alguns do país. Paralelamente, Japão e Coreia posicionaram-se publicamente e legalmente em favor das criptomoedas, numa conjunção de fatores que fez com que mais de 40% do volume diário de negociação chegasse a vir de lá.
É notável também a quantidade de moedas no top 30 que são originárias da região, além da reportada existência de grupos universitários locais tão grandes que chegam a influenciar o mercado de determinados tokens. O ministro das finanças sul coreano é pro-crypto, e a primeira banda de “bitcoin girls” do mundo é japonesa. A influência nipônica na cultura pop global é evidente, através da internet, ao longo das últimas décadas.
Criptomoedas se tornaram um fenômeno social que ainda está para se consolidar no ocidente como vêm se consolidando no oriente.
8. A volta dos ICOs
Alimentados pela emergência de Japão e Coreia do Sul como potências globais no mercado, ICOs retomaram recordes de captação após dois meses de baixa, e um novo leque de metodologias provou que ainda há oportunidades de investimento com alto potencial de retorno (dezenas de vezes), quando se trata de ofertas modestas em linha com uma série de requisitos.
9. Wall St. chega à festa
Dezembro viu a entrada de uma nova classe de investidores ao mundo do bitcoin. A abertura de dois mercados futuros legalmente registrados nos Estados Unidos abriu as portas para Wall St. negociar bitcoin institucionalmente, tanto na ponta compradora como vendedora (lembrando que futuros são derivativos, na teoria criados para hedge, mas usualmente dedicados a especulação). O temor que tomou conta do mercado nas semanas anteriores se provou injustificado. O BTC dobrou de valor em pouco tempo, e não parou de subir até a última semana do ano. Por trás da euforia, o alerta: há um novo tipo de investidor no jogo. No embalo, uma criptomoeda mantida e controlada por uma instituição financeira, a Ripple, iniciou um rally que ilustraria o poder de influência desse “novo tipo de investidor” no mercado, chegando a tomar o posto de segunda criptomoeda com maior capitalização, e transformando um de seus co-fundadores virtualmente, por alguns dias, num dos homens mais ricos do mundo.
10. Telegram, Facebook, Kodak… será que tem volta?
As notícias sobre comércios, marcas, instituições e artistas aceitando ou emitindo criptomoedas tem escalado em nível de relevância. Aqui no Brasil, a Reserva começou a aceitar bitcoins. Nos gramados, o Real Madrid fez o mesmo em uma turnê. Mark Zuckerberg anunciou como resolução de ano novo a intenção de incorporar criptomoedas ao Facebook. O Telegram está para fazer um ICO, e pretende levantar mais de um bilhão de dólares. A Kodak, outro. Estamos chegando ao auge do hype. A exuberância irracional já dita o tom do mercado.
Em 2018…
11. Legislações em metamorfose
O panorama regulatório global evoluiu de uma sombra generalizada para um complexo mosaico de approaches em relação a criptoativos. O centro-leste Europeu tem feito de tudo para permanecer um polo dotado de vantagens legais a projetos e investimentos do tipo, junto com Japão/Coréia e a Rússia. Em geral, os requerimentos de KYC devem ficar mais restritos em mercados secundários, e precedentes perigosos quanto a de-anonimização de contas foram abertos lá fora por corretoras como a BitFury e a Coinbase. No caso de ofertas iniciais, requerimentos também tendem a aumentar, além de processos do gênero estarem em contínua transformação (vem aí os DAICOS, os TAOs, e tantos outros formatos de oferta de moedas).
No Brasil, a CVM segue sem saber como classificar criptoativos, e recentemente se pronunciou vetando o investimento de fundos regulamentados em criptomoedas, apesar de o investimento direto seguir permitido. Além disso, se manifestou julgando estar fora de sua competência a realização de um ICO local (pesquise por “Niobium”). Pode esperar, finalmente, uma leva de ofertas de moedas brasileiras em 2018. No mais, uma comissão de deputados federais, auxiliados por parlamentares, articuladores e desenvolvedores nacionais têm trabalhado para que o governo teste registros de leis na plataforma da Ethereum. A pauta já foi noticiada pela Quartz e outros veículos relevantes lá fora, e é apoiada por instituições importantes do criptouniverso. Por esse e outros motivos, o ether deve ganhar bastante pauta, também no cenário nacional, nesse ano.
12. Os primeiros funerais de tokens
Em 2018, começaremos a ver tokens morrerem. Alguns, antes mesmo de existir (será que a Tezos vai algum dia sair do pântano judicial e emitir aquela moeda?). TwoBitIdiot, ex-Consensys e DCG, frequentemente twitta que, em última instância, a maioria dos utility tokens tende a zero. Para complicar as coisas, forks com airdrops têm se mostrado a alternativa preferida a ICOs ambiciosos — você distribui dinheiro para agrupar gente em torno do projeto, e tudo o que eles pagam é atenção, tornando-se assim colaboradores de verdade. Muitos jogadores fizeram fortuna comprando e revendendo gatinhos da primeira geração do CryptoKitties, por exemplo. A capacidade de enxergar oportunidades de investimento não-tradicionais será cada vez mais um diferencial. Em paralelo, a incapacidade de não se deixar levar por falsas promessas de investimento custará caro: na ausência de circuit-breakers, a intensidade dos movimentos de preço pode ser fatal. Abaixo, veja o desfecho de um token piramidal com marketing agressivo, previamente top 20 em capitalização de mercado.
13. Um ano binário
2018 se apresenta binário para muitos tokens, uma vez que contempla entrega de serviços/produtos em suas respectivas mainnets (é vai ou racha). O quase um trilhão de capitalização coletiva suporta a ideia de que há uma sobrevalorização em curso. Provavelmente, não se trata-se de uma bolha generalizada, mas sim de várias bolhas localizadas. Distinguir a minoria dos projetos subvalorizados da maioria sobrevalorizada pode determinar a diferença entre terminar 2018 com a aposentadoria garantida ou com o capital zerado. A seguir, observe como projetos irracionalmente valorizados tendem a experimentar uma volatilidade muito maior, com quedas pronunciadas após um pico artificial (vítimas dos famosos pumps’n’dumps).
14. Verticais em alta
Além de avaliar o market cap de um ativo perante o momentum do mercado, é importante discernir qual é a aplicabilidade real da tecnologia naquele setor. Investir por “vertical” é uma prática que tem ganhado adeptos. Algumas apostas pessoais: protocolos para exchanges descentralizadas (e.g ZRX); verificação de contratos (e.g. QSP); interoperabilidade entre blockchains (e.g. DOT); e securitização de ativos físicos.
A consolidação da entrada de mais algumas classes de investidores, os avanços nas soluções de escalabilidade para as principais blockchains e a evolução nos roadmaps de uma gama de projetos menores podem servir como catalisadores para o mercado ultrapassar uma dezena de trilhão de dólares em capitalização coletiva. As exchanges centralizadas seguem sendo um alvo de tensão natural, e de prováveis investidas governamentais ao longo de 2018. A entrada institucional de Wall Street (iniciada formalmente com os mercados futuros) pode ganhar força caso a SEC abra as portas ao crescente número de ETFs pendentes. Os milhares de novos entrantes diários continuam dando credibilidade ao mercado, agora que a fase do “descobrimento”, naquele famoso “ciclo de vida”, se aproxima do fim.
Mesmo assumindo a hipótese de bolha generalizada, o parâmetro mais crível na história financeira recente indica que ainda estamos muito aquém do ponto de “estouro”. Além disso, o crash dos anos 2000 tornou-se irrelevante numa escala de tempo ampliada, para os ativos que sobreviveram a ele.
Quem compara a “bolha das criptomoedas” à bolha do dot-com implicitamente desconfia que, daqui a uma década, as maiores organizações do mundo estarão vivendo dessa nova tecnologia, que estamos vendo nascer bem diante dos nossos olhos.
A bolha; o crash; e depois, como produto do investimento massivo em talento, a disseminação global: foi o que aconteceu com Google, Amazon, PayPal e companhia. Que aconteça com o Bitcoin, a Ethereum, a Monero e todas as outras. Bolha? O que importa é o que vem depois.